menina de setenta

Minha ida para Madrid teve um motivo especialíssimo. Minha mãe completava 70 anos de vida no dia 6 de outubro. Meu irmão estava morando lá até o dia 8, e eu, a caçula de 5 filhos, não perderia essa oportunidade. Não deixaria de usar meus artifícios para convencer minha mãe de que seria maravilhoso ela passar o aniversário dela na Espanha com dois de seus filhos, já que reunir todos fora do Brasil seria bem mais complicado. Enfim, a mãe veio. E veio acompanhada da Dona Ema- mulher sábia como poucas no mundo e próxima da nossa família por detalhes únicos. Ela também veio desfrutar da vida e desse momento.
Enfim, a questão é o prazer que senti por ver minha mãe tão feliz.
Desembarquei no aeroporto e peguei um taxi. Aí já começou meu luxo. No táxi vou enchendo balões enormes, um que diz princess e outro escrito 70. Amarro em fitas de cetim que deixei estrategicamente colocadas no bolso de fora da mochila. O motorista me olha pelo retrovisor com um sorriso nos olhos.
A rua do hotel estava fechada. Então desço na esquina e caminho com os balões amarrados na alça da mochila. Na recepção do hotel é onde demoro mais. O recepcionista não falava inglês. Sim, só os garotos do dia falam inglês no hotel. Para me atrapalhar mais, não sabia se minha mãe tinha dado seu nome com I ou com Y. Aí demorou. Com muito custo, nos entendemos quanto ao sobrenome. Quarto 207. Pedi ajuda com minha mochila...veio um senhor bem mais simpático.
Bato na porta...desamarro os balões, começo a cantar parabéns...
Tia Ema abre a porta sorridente, a mãe atrás de camisola dá um grito, me abraça e por pouco não abraça o senhor que trazia as malas. Começa o aniversário. Penduro na porta um enfeite, abro o frigobar e já pego batatinhas. Meu irmão logo bate na porta, já é mais de meia noite.
O almoço do outro dia...uma paella incrível em um restaurante pequeno e charmoso, Mano a mano. Um belo vinho, belo pão, belo tudo. Sobremesa dos deuses, fotos, risadas, e eu bem tonta. Não sabia mais que língua eu falava, como me fazer entender, e tal.
Antes do almoço, no quarto, fotos com máscara e um vídeo que o resto da família mandou com declarações de cada um para a aniversariante. Foi ali que percebi o meu privilégio.
Pensei em chegar aos setenta como ela. Aliás a opinião é unânime. “No puede ser...70 años?”
Bueno. De tarde, Placa Mayor e um passeio pelo Palácio Real. Suspiros. Tudo muito bonito. Grande. Antigo. Dona Yeda feliz da vida. Ela contemplava as belas paisagens e eu contemplava ela.
A noite surpreendente. Um restaurante chiquérrimo, que já tinha nossa reserva há mais de 15 dias. O diferente: os garçons faziam parte da Opera de Madrid. Cantores líricos. O cardápio com títulos que dividiam os pratos em: primeiro ato, segundo ato, aplausos, etc. Desfrutamos de uma comida maravilhosa, bebemos a cava da casa, e assistimos ‘a uma ópera. A mãe não sabia de nada disso, era surpresa. Queria ter gravado a expressão de seu rosto quando baixou a luz e o “garçom” começou a cantar. Ela chorou. Nós também. Depois a garçonete cantou, depois mais um, depois os três, e depois segue. No final um brinde e cumpleaños cantado por todo restaurante com os cantores na nossa mesa.
Na volta pro hotel eu tava exausta. Muita emoção para um dia só.
Mas o que valeu de tudo foi desfrutar da minha mãe nesta data querida. Ver a emoção dela diante de tudo !!!!
Compreendi, talvez um pouco melhor, o que os pais dizem: ver os filhos felizes é nossa maior satisfação. Nesse dia, senti essa satisfação plena, o diferente é que eu era a filha.
Mãe, quando eu crescer quero ser como tu!

Te amo